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Adoção da Jurisdição Condicionada em casos de Ação Previdenciária

Atualizado: 14 de mai. de 2020


É notório, a partir da leitura da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), em seu artigo 5º, inciso XXXV, ser a jurisdição inafastável, isto é, fica consagrado o direito subjetivo e abstrato de ação como a regra geral. Os doutrinadores do Direito Constitucional e Processual denominam como princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou simplesmente Direito de Ação.


Uma de suas principais consequências é inibir o condicionamento do exercício do direito de ação ao prévio requerimento administrativo ou ao esgotamento da instância administrativa, o que se usa conceituar como Instância Administrativa de Curso Forçado. Noutras palavras, significa afirmar que a tutela jurisdicional poderá ser recrutada pelo sujeito independente de qualquer tentativa por ele engendrada de solucionar sua querela administrativamente.


Daí a máxima segundo a qual o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição aparta a aplicação da Instância Administrativa de Curso Forçado, ao menos, como regra geral.

Exemplificando, tem-se que um candidato a cargo público que teve em concurso denegada sua inscrição como deficiente, não precisará recorrer administrativamente para só daí, acaso novamente sendo alvo de indeferimento, demande judicialmente. Poderá ele postular judicialmente sua pretensão, independente de ter ou não se socorrido da via administrativa, porque a suposta ameaça de lesão por ele alegada já é bastante suficiente para o exercício do Direito de Ação.


Outro exemplo interessante é o caso em que um órgão de fiscalização determina a suspensão de atividades de um certo estabelecimento comercial. Julgando ter sido vítima de medida arbitrária baseada em desavença particular antiga com o agente público responsável pelo referido ato, pode o sujeito supostamente lesado deduzir sua pretensão na Justiça sem ter recorrido administrativamente, porque a jurisdição é inafastável.


Muito bem. Apesar de todo o explicado, é importante ressaltar que existem exceções à regra da Inafastabilidade, para em seu lugar ser aplicada a Teoria da Instância Administrativa de Curso Forçado. Mediante a aplicação excepcional dessa teoria se busca mitigar o exercício do Direito de Ação para, reduzir o volume de processos que assoberbam os juízos brasileiros e gerar melhor aproveitamento da jurisdição.


Com efeito, condicionando-se o exercício do Direito de Ação ao esgotamento de um processo administrativo (trânsito em julgado), ou ao menos a uma manifestação prévia da Administração, permite-se que o Estado-Juiz imprima maior atenção aos casos em que realmente é verificada a utilidade/necessidade de intervenção jurisdicional (ultima ratio). Imprime-se eficiência à Máquina Pública.


Exemplo prático dessa excepcionalidade foi o caso concreto apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do RE 631.240/MG, de relatoria do Ministro Roberto Barroso (DJE 10.11.2014). Nele, uma trabalhadora judicializou a concessão de aposentadoria rural por invalidez alegando preencher os requisitos legais exigidos. Em primeira instância, o processo foi extinto, sem exame do mérito, na medida em que o juiz entendeu que havia necessidade de requerimento inicial junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o que ela não fez. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região reformou a decisão, o que justificou a interposição do Recurso Extraordinário.


O STF deixou assentado o entendimento de que ao interessado é devido preliminarmente pleitear o benefício junto ao próprio INSS, administrativamente. Uma vez que a referida entidade deixe de se pronunciar no prazo fixado em lei ou exare decisão denegatória, só então, o interessado apresentará condições de exercer o Direito de Ação que lhe assegura a Carta Magna.


Sem que esteja presente uma dessas circunstâncias, o sujeito não apresenta interesse de agir. E nas palavras do Excelso Pretório, não há inconstitucionalidade alguma nesse entendimento, porque:

  • A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.


Dessarte, o interesse de agir (ou necessidade de ir a juízo, ou ainda, interesse processual) corresponde ao binômio necessidade-utilidade de se recrutar a tutela jurisdicional pelo autor da ação. Se não estiver presente, nos termos do Código de Processo Civil, artigo 485, inciso VI, o juiz extinguirá o processo sem o julgamento do mérito.


De outra forma: para o STF não haverá interesse de agir se não houver o INSS (1) apreciado efetivamente o pleito em processo administrativo ou (2) deixado correr o prazo fixado em lei sem proferir decisão (decurso do prazo em branco - in albis, o que no Direito Administrativo é chamado de “Silêncio Administrativo”), cabendo ao juiz extinguir o processo sem apreciar o mérito. Ao condicionar a propositura da ação previdenciária a esses pressupostos, tem-se por aplicada, como exceção, a Instância Administrativa de Curso Forçado.


Agora, alguns detalhes importantes não podem ser esquecidos. O primeiro é de que a exigência de prévio requerimento em nada se confunde com o exaurimento das vias administrativas, como ocorre, por exemplo, no caso de tutela judicial desportiva (CF/1988, artigo 217, parágrafo 1º).


O outro é de que a exigência de requerimento administrativo não se faz necessária quando o entendimento da Administração é "notório e reiteradamente contrário à postulação do segurado", nas palavras do STF (RE 631.240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, DJe 10.11.2014).


E finalmente, mas não menos importante, a Suprema Corte asseverou nos autos do mesmo recurso extremado que, em se tratando de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, cabe ajuizamento de ação sem prévio requerimento ao INSS (Inafastabilidade da Jurisdição volta a ser a regra). Isso porque, como se trata de uma competência administrativa vinculada de conceder a prestação mais vantajosa possível ao segurado, a omissão da aludida autarquia já configura, per si, o não acolhimento da pretensão.


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